terça-feira, 22 de maio de 2012

Competência x Jurisdição


Nesse post defino de forma enfática as diferenças entre Jurisdição e competência.

1. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei no 2.484 de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. Decreto-Lei no 3.689 de 03 de Outubro de 1941. Código Processo Penal. Brasília, DF: Senado Federal.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

2. JURISDIÇÃO

            Jurisdição, segundo Guilherme de Souza Nucci, é o poder que o Estado detém, constitucionalmente assegurado, para aplicar a lei a fim de resolver conflitos. Em regra, tal poder-dever é conferido ao Poder Judiciário, mas a Constituição Federal, no seu art. 52, I e II, prevê uma hipótese excepcional a qual confere os poderes jurisdicionais ao Senado Federal para julgar crimes de responsabilidade em que envolvam o Presidente da República, o Vice-Presidente, o Procurador-Geral da República, o Advogado-Geral da União, os membros do Ministério Público e quando conexos a esses crimes praticados pelo Presidente da República ou o Vice, os Ministros de Estados e os Comandantes.
            Em suma, a todo juiz é conferido o poder jurisdicional para que ele, sob a forma do Estado, aplique a lei e decida sobre os litígios sociais de forma peremptória. Tal prerrogativa visa a coibir a manifestação da “justiça de Talião” – época em que indivíduos lesados detinham o direito de causar o dano de forma reflexa ao agressor. Dessa forma, somente o Estado tem o poder jurisdicional, artifício que impede excessos e gera maior segurança social.

3. COMPETÊNCIA

            Se jurisdição é o poder de dizer a lei, competência é a delimitação desse poder. Essa limitação é estabelecida através de normas constitucionais ou legais. Hélio Tornaghi define competência como uma permissão legal para exercer uma fração do poder jurisdicional[1]. A competência correlaciona-se umbilicalmente com o princípio do juiz natural, bem como com a vedação do tribunal ou juízo de exceção, já que cada indivíduo possui o direito de ser julgado por um juiz imparcial e previamente estipulado.
            Quanto à competência, pode-se dividi-la em absoluta e relativa. A primeira não admite prorrogação, o que significa dizer: o processo deve ser remetido ao juiz natural, sob pena de nulidade absoluta. Já a relativa admite a prorrogação, ou seja, se a incompetência do foro não for invocada a tempo, considera-se competente o juízo que conduz o processo, nesse caso, não se admite qualquer tentativa de nulidade posterior. O Código de Processo Penal estabelece critérios para a delimitação do poder jurisdicional, os quais se dividem dentro do conceito Material – estruturado em razão da qualidade do que vai ser julgado: “ratione materiae” (em razão da matéria), “ratione loci” (em razão do lugar) e “ratione personae” (em razão da pessoa). Pode-se dizer que há uma sucessão de critérios para o estabelecimento da competência, a qual deve pautar-se na retaliação processual-penal ao agressor no local onde se desenvolveu a prática delituosa, desse feito, o Estado se mostra presente à população local, reavivando os valores positivos do Direito. Visto isso, o critério adotado como regra é o do lugar da infração penal, admitindo exceções quando o crime for praticado por pessoa detentora de privilégios especiais em função do cargo, neste caso o critério “ratione personae” se sobrepõe aos demais para que o foro privilegiado da pessoa seja o competente para o julgamento, ou quando houver matéria especial a ser julgada, hipótese em que será definida a competência em razão da natureza da infração penal.

3.1 REGRA GERAL: LUGAR DO CRIME COMO FORO COMPETENTE

            Nucci doutrina que o CPP adotou a teoria do resultado, ou seja, a regra para definir a competência é o lugar em que se consumou a infração, ou quando se trata de tentativa, o foro competente será o local onde ocorreu o último ato executório – art. 70, CPP. Como se trata de competência territorial, ela é relativa, ou seja, cabe prorrogação se não arguida a tempo. Essa é a teoria regra, agora, adota-se a teoria da ubiquidade ou mista quando se trata de crime à distância – hipótese de infração que teve origem em país estrangeiro e consumação em terras brasileiras ou vice-versa –, nesse caso, o foro competente é tanto o local do resultado como o lugar da ação – art. 70, §§1º e 2º, CPP.
            Contrariando a regra, a jurisprudência abre uma ressalva quanto ao homicídio plurilocal – ação ou omissão ocorre em local diverso do resultado morte –, visando obedecer ao princípio da busca da verdade real, torna-se mais eficaz a colheita de provas no local da conduta, dessa forma, o agente será processado não no local do resultado, mas sim no local em que praticou a ação ou omissão.
            Há também tratamento diferencial aos delitos qualificados pelo resultado, os quais terão o foro competente do local onde ocorreu o resultado qualificador. Entretanto, a jurisprudência, visando facilitar a colheita de provas, se posiciona a favor do deslocamento do foro competente para o local onde ocorreu a conduta criminosa.
            Um ponto controverso na doutrina é a definição da competência aos crimes de menor potencial ofensivo, já que o art. 63 da Lei 9099/95 – Lei dos Juizados Especiais – define que a competência será fixada pelo local em que for praticada a infração penal. Alguns autores entendem que o termo “praticada” se refere à ação ou omissão, dessa forma, acreditam que o foro competente é o do local da conduta. Outros creem que o termo quer dizer “consumada”, destarte o foro competente seria o estipulado pelo art. 70 do CPP. Entretanto, Nucci se posiciona no sentido da teoria da ubiquidade. Para ele, a expressão “praticar” quer dizer tanto “levar a efeito”, executar, ou “realizar”, consumação. Caso houver conflito, esse se resolve pela prevenção, ou seja, será competente o primeiro juiz que tomar ciência do feito.

3.1.1 FORO SUPLETIVO: DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU

Há casos, em que se desconhece o local da infração, nesse contexto, o juízo competente será o do domicílio ou residência do réu, conforme art. 72, CPP. Porém, se o réu tiver mais de uma residência ou caso não tiver residência certa ou for ignorado seu paradeiro a competência firmar-se-á pela prevenção. Essa hipótese de foro subsidiário pode ser invocada pelo querelante no caso de exclusiva ação privada, conforme art. 73, CPP.


3.2 QUANDO A MATÉRIA DEFINE A COMPETÊNCIA

            Dependendo da natureza da infração, a lei pode afastar a regra geral “racione loci” para considerar competente o juízo que trata sobre a matéria envolvida. Por meio desse critério, se a matéria for atinente à justiça comum, distinguir-se-á Justiça Federal da Estadual. A competência da Justiça Federal, definida nas hipóteses dos arts. 108 e 109, CF, prepondera sobre a Estadual que é residual. Se a matéria envolver crime militar a justiça competente será a Justiça Militar, a qual se subdivide em Estadual, competente para julgar bombeiros e policiais militares envolvidos em crimes militares, e Federal, competente para julgar os integrantes das forças armadas envolvidos em crimes militares. Destaca-se que essa justiça julga apenas os crimes militares, o que significa dizer que em nenhuma hipótese eventual crime conexo com crime militar será julgado pela Justiça Castrense. Vale ressaltar também que nenhum instituto dos Juizados Especiais serão aplicados na esfera militar. Ocorrendo crimes eleitorais, a competência será da Justiça Eleitoral, a qual julga os crimes definidos no Código Eleitoral e demais crimes conexos com os crimes eleitorais, ressalvado a hipótese das infrações dolosas contra a vida em conexão ou contingência com crimes eleitorais, que se entende majoritariamente, que cada juízo continua com a sua competência, o eleitoral com os crimes eleitorais e o tribunal do júri com os dolosos contra a vida.
            Há também duas hipóteses constitucionais que definem a competência em razão da matéria, quais sejam: os crimes dolosos contra a vida que serão julgados pelo Tribunal do Júri, podendo também julgar os crimes conexos com aqueles, art. 5º, XXXVIII, CF; e os crimes de menor potencial ofensivo – crimes com pena máxima não superior a 2 anos e as contravenções penais – serão julgados pelos Juizados Especiais, conforme preceitua o art. 98, I, CF.

3.3 COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA PRERROGATIVA DE FORO

            Essa regra se sobrepõe às demais quando o réu cometeu a infração investido de função especial, seu cargo desloca a competência para o foro legalmente previsto para julgar essa autoridade.
            Nucci repudia essa forma de privilégio processual. Segundo ele, esse critério fere frontalmente o princípio da isonomia. De forma contrária, Tourinho Filho se posiciona a favor desse privilégio. Para ele, essa regra é uma forma de evitar a subversão hierárquica e proteger as autoridades contra eventuais pressões que os supostos responsáveis pudessem exercer sobre os órgãos jurisdicionais inferiores[2]. Porém, Nucci, rebatendo o entendimento de supracitado, garante que inexiste a subversão da hierarquia, já que quando o juiz profere seu julgamento amparado em lei, ele não está submetido a nenhuma autoridade superior. Quanto à pressão imposta pela mídia ou de pela política, afirma que o juiz de 2º grau está tão exposto quanto o de 1º grau, e caso ocorra essa influência, o juiz poderia denunciar o caso, responsabilizando os responsáveis. Agora, caso houvesse alguma decisão viciada, existe recurso para sanar qualquer injustiça. Visto isso, ele finaliza defendendo a supressão desse privilégio em reformas processuais futuras.
            A “ratione personae” garante que enquanto a autoridade detenha prerrogativa de função, mesmo que o crime seja cometido antes de ocupar o cargo que garante o privilégio, apenas poderá ser julgada nas Cortes especificadas na Constituição e na lei.

3.4 A DISTRIBUIÇÃO COMO ALTERNATIVA À COMPETÊNCIA CUMULATIVA

            Se houver mais que um juiz competente para o processo na mesma circunscrição judiciária, adotar-se-á o art. 75 do CPP, o qual versa sobre a regra da distribuição. O procedimento ocorre por meio de um processo seletivo casual, que define pela sorte o magistrado competente. Isso, colabora para que não seja preservado o princípio do juiz natural, já que o processo não terá destinação certa e premeditada.
            O parágrafo único do art. 75 do CPP dispõe sobre a exceção à distribuição. Caso o juiz interferir antes da denúncia ou da queixa, estabelecendo qualquer diligência, esse será o juiz competente para o futuro julgamento, ou seja, adota-se o critério da prevenção.
            Nucci explica que se houver falha durante a distribuição de processos ou a determinado juiz for destinado processo complexo, corrige-se encaminhando os futuros processos para outros juízes na mesma comarca, desta forma, haverá tempo para que o juiz prejudicado se recomponha e não haverá ossificação do judiciário.

3.5 CONEXÃO E CONTINÊNCIA

            Esses institutos visam, em regra, à alteração da competência e não sua fixação inicial. Ocorrerá essa alteração quando existirem indícios de que a alteração de foro poderá beneficiar a colheita de provas, fomentar a economia processual e prevenir decisões contrárias sobre a mesma matéria.
            Nucci destaca que eventualmente a conexão ou a contingência poderão fixar o juízo competente inicial, desde que se conheça a ligação processual e o anterior já havia sido distribuído, hipótese que ao se distribuir os próximos processos, pode-se requerer ao juiz que determine a remessa para a mesma vara.
            A conexão é a hipótese de interligação entre dois ou mais delitos que serão julgados no mesmo processo. Divide-se nas seguintes modalidades: Conexão Intersubjetiva – Quando ocorre dois ou mais crimes praticados por duas ou mais pessoas (pluralidade de agentes e de crimes), seja por simultaneidade, quer dizer, ocorrem nas mesmas circunstâncias de tempo e de espaço, seja mediante concurso ou seja por reciprocidade, agiram uns contra os outros –; Conexão Lógica ou Teleológica ou Finalista – é a conexão do lucro, seja ele patrimonial ou processual, emerge essa modalidade quando o crime é praticado para levar vantagem, para ocultar ou para criar impunidade em razão de outro delito –; Conexão Instrumental ou Probatória – caso em que a prova da existência de um delito é fundamental para se demonstrar a ocorrência de outro crime, pode-se citar o caso da receptação, crime que pressupõe a existência de outro, seja ele contrabando, furto, roubo.
            Já a continência se diferencia da conexão pelo fator da unicidade, seja porque um único crime foi praticado por duas ou mais pessoas ou porque uma só conduta provocou dois ou mais resultados lesivos. Há duas modalidades de continência: por cumulação subjetiva – existe um só crime que é praticado por duas ou mais pessoas –; por cumulação objetiva – uma única conduta provoca dois ou mais delitos, essa hipótese sempre vai existir na ocorrência de concurso formal de crimes.

[1] NUCCI, p. 226.
[2] NUCCI, 240.

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